A visita histórica do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à República de Angola, entre os dias 2 e 4 de dezembro, representa um marco significativo nas relações bilaterais entre os dois países. Este evento, que culmina anos de aproximação diplomática, apresenta-se como um catalisador de novas parcerias estratégicas, tanto no contexto africano quanto no global. Contudo, os desafios inerentes a essa relação, bem como as implicações para a soberania e posicionamento geopolítico de Angola, não podem ser ignorados.
UM ENCONTRO HISTÓRICO E SEUS INTERESSES SUBJACENTES
A presença de Biden em Angola assinala a primeira visita de um chefe de Estado americano ao país desde a sua independência em 1975. Este gesto reflete uma nova fase na política externa dos Estados Unidos para África, onde o objetivo principal é reposicionar-se estrategicamente em relação à influência crescente da China e, em menor grau, da Rússia no continente. O investimento de 3 bilhões de dólares no Corredor de Lobito – que conecta Angola, Zâmbia e República Democrática do Congo (RDC) – é emblemático desse esforço. Tal iniciativa, financiada pela Partnership for Global Infrastructure and Investment (PGII), visa não só revitalizar a infraestrutura ferroviária e portuária, mas também garantir o acesso a minerais críticos como cobre e cobalto, essenciais para a transição energética global.
Por outro lado, para Angola, esta visita marca um momento de reposicionamento estratégico. Após décadas de alinhamento político e militar com a Rússia e a crescente parceria económica com a China, o Governo angolano busca agora diversificar as próprias fontes de investimento e financiamento, enquanto luta contra uma crise económica severa e crescentes pressões sociais em todo o país. A parceria com os Estados Unidos promete maior transparência e possíveis avanços no fortalecimento de instituições democráticas, algo que tem sido uma demanda recorrente da sociedade civil angolana.
OS INTERESSES DOS PARCEIROS REGIONAIS: ZÂMBIA E RDC
O Corredor de Lobito não é apenas um projeto binacional entre Angola e os Estados Unidos. Ele envolve diretamente os países vizinhos – Zâmbia e RDC – que compartilham os objetivos de facilitar o escoamento de recursos minerais, expandir o comércio regional e reduzir os custos logísticos. Para a Zâmbia, a presença de seu presidente no Lobito Corridor Summit demonstra o entusiasmo por esta nova janela de desenvolvimento econômico. No entanto, a RDC, onde cerca de 80% das minas de cobre são controladas por interesses chineses, enfrenta desafios adicionais no equilíbrio entre os interesses americanos e chineses na exploração de seus recursos estratégicos.
ANGOLA E OS ESTADOS UNIDOS: UMA NOVA ERA DE RELAÇÕES
O histórico de relações entre Angola e os Estados Unidos tem sido marcado por períodos de tensão, especialmente durante a Guerra Fria, quando Angola estava sob forte influência soviética. No entanto, os últimos anos têm testemunhado uma aproximação pragmática, guiada por interesses mútuos. A visita de Biden simboliza uma reafirmação desse alinhamento, destacando-se três áreas prioritárias:
- Economia e infraestruturas: o financiamento do Corredor de Lobito e a promessa de parcerias comerciais mais transparentes representam oportunidades para Angola reduzir a própria dependência da China e atrair novos investidores em geral.
- Governança e transparência: a parceria com os Estados Unidos pode ser uma alavanca para combater com maior afinco a corrupção em Angola, ponto chave do programa do presidente João Manuel Gonçalves Lourenço. O mesmo se diga sobre a urgência de reformas institucionais eficazes que aumentariam a confiança dos investidores internacionais.
- Posicionamento regional: o apoio americano reforça a posição de Angola como um ator-chave na região dos Grandes Lagos, especialmente em mediações de conflitos e iniciativas de integração regional.
OS RISCOS E AS DIFICULDADES
Apesar das oportunidades, a parceria com os Estados Unidos não está isenta de riscos. Angola tem mantido relações de longa data com a Rússia e a China, sendo estes parceiros fundamentais na área militar e económica respetivamente. Uma mudança abrupta ou percepções de “traição” podem gerar tensões diplomáticas e comerciais. Além disso, a dependência excessiva de um único parceiro, como os Estados Unidos, pode criar novos tipos de vulnerabilidades.
Por outro lado, a própria sociedade angolana mostrou sinais de ceticismo em relação a esta visita. As restrições impostas durante a estadia de Biden, que incluíram o encerramento de empresas – com uma tolerância de ponto – e a limitação da mobilidade, geraram desconforto e críticas, especialmente num momento de dificuldades económicas que Angola está vivendo. A falta de um impacto imediato nas condições de vida da maioria dos angolanos pode limitar o entusiasmo por esta cooperação.
OS PASSOS FUTUROS PARA ANGOLA
Para maximizar os ganhos desta parceria e mitigar os riscos, Angola deve adotar uma estratégia abrangente e pragmática que envolva todos os setores da sociedade. Aqui vão alguns passos fundamentais:
- Sobre a diversificação de parcerias: Angola deve manter uma abordagem equilibrada nas relações internacionais, preservando os laços históricos com a Rússia e a China, enquanto fortalece as relações com os Estados Unidos e outros parceiros ocidentais e não só.
- Sobre as reformas institucionais: implementar medidas concretas para combater a corrupção, aumentar a transparência nos contratos e fortalecer o estado de direito, criando um ambiente mais atrativo para investidores estrangeiros.
- Sobre o fortalecimento da sociedade civil: a exemplo das maiores economias, o Governo deve garantir que as forças vivas da nação – sindicatos, associações empresariais, ONGs e outros atores – sejam incluídas no debate sobre o desenvolvimento do país, promovendo maior coesão social.
- Sobre a aposta na educação e nas tecnologias: a exemplo da China, o Governo deve aproveitar os investimentos estrangeiros para desenvolver capital humano e infraestruturas tecnológicas, preparando o país para os desafios de uma economia global digitalizada.
- Sobre a gestão estratégica dos recursos naturais: garantir que os lucros provenientes da exploração de recursos minerais sejam utilizados de forma sustentável e inclusiva, priorizando o desenvolvimento de setores como agricultura – URGE, NOVAMENTE, O, PROGRAMA, DE, AGRICULTURA FAMILIAR – e energias renováveis.
EM FIM
A visita histórica de Joe Biden a Angola marcou, sem dúvida, um capítulo importante nas relações bilaterais entre os dois países. Contudo, esta aproximação precisa ser observada com um olhar crítico e uma análise cuidadosa sobre os impactos a curto, médio e longo prazo. Angola deve considerar os riscos inerentes ao distanciamento da China e da Rússia, enquanto busca novas parcerias com o Ocidente. O desafio principal é garantir que tais acordos sejam baseados em princípios de soberania, transparência e benefícios reais para a população, e não apenas para uma elite restrita.
É fundamental que o Governo Angolano evite cair na armadilha de dependências económicas unilaterais, agora em relação aos Estados Unidos. É preciso assegurar que os investimentos no Corredor do Lobito e noutras infraestruturas priorizem o bem-estar do povo angolano. Devemos também estar atentos à possível instabilidade política e diplomática, especialmente no contexto de um futuro político incerto nos EUA, como alertado por analistas. A troca de um “gigante” pela presença de outro no continente não pode comprometer os valores e interesses soberanos de Angola.
É comum entre os analistas afirmarem que a presente visita abriu uma oportunidade para Angola de reforçar a própria posição estratégica como um elo crucial no comércio regional e global é inegável. Os investimentos na ferrovia e no Porto do Lobito podem dinamizar a economia, aumentar o emprego e criar novas indústrias. Se bem implementados, podem abrir portas para uma Angola mais conectada, não só economicamente, mas também culturalmente, com o mundo.
Todavia, o sucesso desta nova fase de cooperação dependerá das decisões que tomarmos agora. É urgente que o Estado angolano exija transparência em todos os acordos e implemente reformas robustas no sistema de governança para continuar a combater a corrupção e garantir a justiça social. Além disso, os jovens angolanos – dentro e fora de Angola -, devem assumir o seu lugar na arena política e social, participando mais activamente na construção do futuro do país. A juventude tem o poder de ser o motor das mudanças necessárias, trazendo inovação e energia para enfrentar os desafios.
Para os militantes do MPLA, este é o momento de rever o seu compromisso com os princípios fundadores do partido e com os interesses nacionais. Mais rigor e exigência na gestão pública são imperativos para devolver a confiança do povo angolano e construir uma Angola que pertença verdadeiramente aos angolanos. É preciso governar com o coração e com responsabilidade, garantindo “mais dignidade, mais trabalho, mais segurança, mais pão e mais perspetivas” para todos.
A responsabilidade de construir uma Angola mais próspera é de todos nós. É sempre tempo de agir com união, agir com determinação e coragem, para que cada angolano e angolana possa viver com dignidade, segurança e esperança num futuro melhor.
Por uma Angola mais angolana, mais justa e mais forte!
Desde o Morro da Kipara é tudo.
Romae, 10 de Dezembro de 2024
Kingamba Mwenho