Janeiro 25, 2025
ANÁLISE DA VISITA HISTÓRICA DO PRESIDENTE JOE BIDEN A ANGOLA: UM ENCONTRO DE INTERESSES E DESAFIOS GEOPOLÍTICOS

TOPSHOT - US President Joe Biden (L) shakes hands with Angola President Joao Lourenco (R) ahead of their bilateral meeting at the Presidential Palace in Luanda on December 3, 2024. (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP) (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP via Getty Images)

A visita histórica do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à República de Angola, entre os dias 2 e 4 de dezembro, representa um marco significativo nas relações bilaterais entre os dois países. Este evento, que culmina anos de aproximação diplomática, apresenta-se como um catalisador de novas parcerias estratégicas, tanto no contexto africano quanto no global. Contudo, os desafios inerentes a essa relação, bem como as implicações para a soberania e posicionamento geopolítico de Angola, não podem ser ignorados.

UM ENCONTRO HISTÓRICO E SEUS INTERESSES SUBJACENTES

A presença de Biden em Angola assinala a primeira visita de um chefe de Estado americano ao país desde a sua independência em 1975. Este gesto reflete uma nova fase na política externa dos Estados Unidos para África, onde o objetivo principal é reposicionar-se estrategicamente em relação à influência crescente da China e, em menor grau, da Rússia no continente. O investimento de 3 bilhões de dólares no Corredor de Lobito – que conecta Angola, Zâmbia e República Democrática do Congo (RDC) – é emblemático desse esforço. Tal iniciativa, financiada pela Partnership for Global Infrastructure and Investment (PGII), visa não só revitalizar a infraestrutura ferroviária e portuária, mas também garantir o acesso a minerais críticos como cobre e cobalto, essenciais para a transição energética global.

Por outro lado, para Angola, esta visita marca um momento de reposicionamento estratégico. Após décadas de alinhamento político e militar com a Rússia e a crescente parceria económica com a China, o Governo angolano busca agora diversificar as próprias fontes de investimento e financiamento, enquanto luta contra uma crise económica severa e crescentes pressões sociais em todo o país. A parceria com os Estados Unidos promete maior transparência e possíveis avanços no fortalecimento de instituições democráticas, algo que tem sido uma demanda recorrente da sociedade civil angolana.

OS INTERESSES DOS PARCEIROS REGIONAIS: ZÂMBIA E RDC

O Corredor de Lobito não é apenas um projeto binacional entre Angola e os Estados Unidos. Ele envolve diretamente os países vizinhos – Zâmbia e RDC – que compartilham os objetivos de facilitar o escoamento de recursos minerais, expandir o comércio regional e reduzir os custos logísticos. Para a Zâmbia, a presença de seu presidente no Lobito Corridor Summit demonstra o entusiasmo por esta nova janela de desenvolvimento econômico. No entanto, a RDC, onde cerca de 80% das minas de cobre são controladas por interesses chineses, enfrenta desafios adicionais no equilíbrio entre os interesses americanos e chineses na exploração de seus recursos estratégicos.

ANGOLA E OS ESTADOS UNIDOS: UMA NOVA ERA DE RELAÇÕES

O histórico de relações entre Angola e os Estados Unidos tem sido marcado por períodos de tensão, especialmente durante a Guerra Fria, quando Angola estava sob forte influência soviética. No entanto, os últimos anos têm testemunhado uma aproximação pragmática, guiada por interesses mútuos. A visita de Biden simboliza uma reafirmação desse alinhamento, destacando-se três áreas prioritárias:

  1. Economia e infraestruturas: o financiamento do Corredor de Lobito e a promessa de parcerias comerciais mais transparentes representam oportunidades para Angola reduzir a própria dependência da China e atrair novos investidores em geral.
  2. Governança e transparência: a parceria com os Estados Unidos pode ser uma alavanca para combater com maior afinco a corrupção em Angola, ponto chave do programa do presidente João Manuel Gonçalves Lourenço. O mesmo se diga sobre a urgência de reformas institucionais eficazes que aumentariam a confiança dos investidores internacionais.
  3. Posicionamento regional: o apoio americano reforça a posição de Angola como um ator-chave na região dos Grandes Lagos, especialmente em mediações de conflitos e iniciativas de integração regional.

OS RISCOS E AS DIFICULDADES

Apesar das oportunidades, a parceria com os Estados Unidos não está isenta de riscos. Angola tem mantido relações de longa data com a Rússia e a China, sendo estes parceiros fundamentais na área militar e económica respetivamente. Uma mudança abrupta ou percepções de “traição” podem gerar tensões diplomáticas e comerciais. Além disso, a dependência excessiva de um único parceiro, como os Estados Unidos, pode criar novos tipos de vulnerabilidades.

Por outro lado, a própria sociedade angolana mostrou sinais de ceticismo em relação a esta visita. As restrições impostas durante a estadia de Biden, que incluíram o encerramento de empresas – com uma tolerância de ponto – e a limitação da mobilidade, geraram desconforto e críticas, especialmente num momento de dificuldades económicas que Angola está vivendo. A falta de um impacto imediato nas condições de vida da maioria dos angolanos pode limitar o entusiasmo por esta cooperação.

OS PASSOS FUTUROS PARA ANGOLA

Para maximizar os ganhos desta parceria e mitigar os riscos, Angola deve adotar uma estratégia abrangente e pragmática que envolva todos os setores da sociedade. Aqui vão alguns passos fundamentais:

  1. Sobre a diversificação de parcerias: Angola deve manter uma abordagem equilibrada nas relações internacionais, preservando os laços históricos com a Rússia e a China, enquanto fortalece as relações com os Estados Unidos e outros parceiros ocidentais e não só.
  2. Sobre as reformas institucionais: implementar medidas concretas para combater a corrupção, aumentar a transparência nos contratos e fortalecer o estado de direito, criando um ambiente mais atrativo para investidores estrangeiros.
  3. Sobre o fortalecimento da sociedade civil: a exemplo das maiores economias, o Governo deve garantir que as forças vivas da nação – sindicatos, associações empresariais, ONGs e outros atores – sejam incluídas no debate sobre o desenvolvimento do país, promovendo maior coesão social.
  4. Sobre a aposta na educação e nas tecnologias: a exemplo da China, o Governo deve aproveitar os investimentos estrangeiros para desenvolver capital humano e infraestruturas tecnológicas, preparando o país para os desafios de uma economia global digitalizada.
  5. Sobre a gestão estratégica dos recursos naturais: garantir que os lucros provenientes da exploração de recursos minerais sejam utilizados de forma sustentável e inclusiva, priorizando o desenvolvimento de setores como agricultura – URGE, NOVAMENTE, O, PROGRAMA, DE, AGRICULTURA FAMILIAR – e energias renováveis.

EM FIM

A visita histórica de Joe Biden a Angola marcou, sem dúvida, um capítulo importante nas relações bilaterais entre os dois países. Contudo, esta aproximação precisa ser observada com um olhar crítico e uma análise cuidadosa sobre os impactos a curto, médio e longo prazo. Angola deve considerar os riscos inerentes ao distanciamento da China e da Rússia, enquanto busca novas parcerias com o Ocidente. O desafio principal é garantir que tais acordos sejam baseados em princípios de soberania, transparência e benefícios reais para a população, e não apenas para uma elite restrita.

É fundamental que o Governo Angolano evite cair na armadilha de dependências económicas unilaterais, agora em relação aos Estados Unidos. É preciso assegurar que os investimentos no Corredor do Lobito e noutras infraestruturas priorizem o bem-estar do povo angolano. Devemos também estar atentos à possível instabilidade política e diplomática, especialmente no contexto de um futuro político incerto nos EUA, como alertado por analistas. A troca de um “gigante” pela presença de outro no continente não pode comprometer os valores e interesses soberanos de Angola.

É comum entre os analistas afirmarem que a presente visita abriu uma oportunidade para Angola de reforçar a própria posição estratégica como um elo crucial no comércio regional e global é inegável. Os investimentos na ferrovia e no Porto do Lobito podem dinamizar a economia, aumentar o emprego e criar novas indústrias. Se bem implementados, podem abrir portas para uma Angola mais conectada, não só economicamente, mas também culturalmente, com o mundo.

Todavia, o sucesso desta nova fase de cooperação dependerá das decisões que tomarmos agora. É urgente que o Estado angolano exija transparência em todos os acordos e implemente reformas robustas no sistema de governança para continuar a combater a corrupção e garantir a justiça social. Além disso, os jovens angolanos – dentro e fora de Angola -, devem assumir o seu lugar na arena política e social, participando mais activamente na construção do futuro do país. A juventude tem o poder de ser o motor das mudanças necessárias, trazendo inovação e energia para enfrentar os desafios.

Para os militantes do MPLA, este é o momento de rever o seu compromisso com os princípios fundadores do partido e com os interesses nacionais. Mais rigor e exigência na gestão pública são imperativos para devolver a confiança do povo angolano e construir uma Angola que pertença verdadeiramente aos angolanos. É preciso governar com o coração e com responsabilidade, garantindo “mais dignidade, mais trabalho, mais segurança, mais pão e mais perspetivas” para todos.

A responsabilidade de construir uma Angola mais próspera é de todos nós. É sempre tempo de agir com união, agir com determinação e coragem, para que cada angolano e angolana possa viver com dignidade, segurança e esperança num futuro melhor. 

Por uma Angola mais angolana, mais justa e mais forte!

Desde o Morro da Kipara é tudo.

Romae, 10 de Dezembro de 2024

Kingamba Mwenho 

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